domingo, 14 de junho de 2009

Entre os muros da escola (Editora Martins Fontes)

Anote o nome deste livro de François Bégaudeau, um escritor francês que já emplacou dois romances de sucesso. Aos que dominam o idioma, sugiro que leiam em francês (Entre les murs), pois a estória enquadra o mundo escolar do ponto de vista de um jovem e desajeitado professor de francês.

O cenário é uma escola de periferia de Paris, e os conflitos e as dificuldades dos professores, funcionários e alunos servem para reflexão e, em alguns momentos, para inspiração. Num desses momentos (trecho abaixo), o 'prô', diminutivo (carinhoso ou jocoso) usado pelos alunos, de forma poética, leva a turma a uma reflexão sobre o terrorismo (importante dizer que há chineses, árabes e muçulmanos na sala, além de franceses). Leitura obrigatória.

"- Prô, podemos falar dos atentados?

- Para dizer o quê?

- Não param de dizer que são os muçulmanos, mas na verdade, ninguém tem certeza.

- No entanto, há grandes chances, não?

Mohammed-Ali e Soumaya subiram pelas paredes, misturando vociferações.

- Por que dizem que são os muçulmanos? Enquanto não tiverem provas, eles têm mais é que calar a boca, é isso, não tem outro jeito.

- E então, o que isso muda?

Mohammed-Ali havia escapado do pelotão vingativo.

- O que muda é que ninguém sabe.

Soumaya voltou ao mesmo disco.

- Até o 11 de setembro, ninguém sabe.

Imane entrou na conversa.

- Eu fiquei contente no 11 de setembro. Contente de poder lutar.

- Três mil mortos e você ficou contente?

Mohammed-Ali recomeçou.

- Eh, prô, tem que ver também todos os mortos que os americanos fizeram na Palestina e tudo.

- Sim, enfim, admito, mas não podemos ficar eternamente na espiral da vingança.

- Mas os americanos matam os muçulmanos, é normal os muçulmanos se defenderem.

- Mesmo matando qualquer um?

Zunzum contraditório, mas eu só ouvia a mim mesmo.

- É isso, eu me chamo Pepita, tenho vinte e quatro anos, moro na periferia de Madri. Tenho dois filhos pequenos, trabalho em Madri, então me levanto às seis horas para pegar o trem. E acontece que no ano passado eu também me manifestei contra a guerra no Iraque e contra o meu governo, aliado dos americanos na invasão ilegal de um país. Então, como todas as manhãs eu pego o trem, penso em tudo isso, nos meus filhos, na guerra e tudo o mais, e bum, estou morta.

Como num passe de mágica, minhas palavras tinham fabricado silêncio. Embriagado por esse triunfo, continuei.

- Igualzinho a mim. Acontece que sou um pouco como Pepita, pego o metrô de manhã, pego até três para chegar aqui, e acontece que também sou contra a lei da burca. Ora, parece que tem uns sujeitos que querem explodir bombas na França para derrubar essa lei. Essa é a questão, vou morrer numa explosão por causa de uma lei que não cauciono. Legal, não?

A magia durava. No silêncio, a voz de Sandra soou estranhamente. Excepcionalmente doce. Desligada. Acústica.

- O que quer dizer 'caussono'?

- Caucionar significa estar de acordo, aprovar.

- Sim, mas se os franceses não dizem que não aprovam, é como se estivessem de acordo. O senhor disse que não está de acordo?

- Mais ou menos.

- Mais ou menos quer dizer que ninguém ouviu o senhor e então os muçulmanos não podem saber."

2 comentários:

Thalita Carvalho disse...

Esse livro virou um filme não virou? Pareceu ser bem interessante, vou colocar na minha fila de leituras... valeu a dica Cris!

Cristiana Matos disse...

Ei, Thalita.

Virou filme sim. Não vi ainda. Se o vir, me diz o que achou.

See you around.

Cris