quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia do Professor

O trecho abaixo foi retirado do livro A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery (Companhia das Letras, 2008), e narra o primeiro encontro da protagonista Renée com uma professora.

"Na nossa casa ninguém conversava. As crianças berravam, e os adultos se ocupavam de suas tarefas como teriam feito na solidão. Comíamos o suficiente para matar a fome, embora frugalmente, não éramos maltratados, e nossas roupas de pobres eram limpas e solidamente remendadas, de tal modo que, embora pudéssemos nos envergonhar, não sofríamos de frio. Mas não falávamos.

A revelação aconteceu quando, aos cinco anos, indo à escola pela primeira vez, tive a surpresa e o pavor de ouvir uma voz se dirigir a mim e dizer meu nome de batismo.

"Renée?", interrogava a voz enquanto eu sentia a mão amiga sobre a minha.

Foi no corredor onde, para o primeiro dia de escola e porque chovia, tinham amontoado as crianças.

"Renée?", a voz continuava a modular, vinda do alto, e a mão amiga não parava de exercer em meu braço - incompreensível linguagem - leves e suaves pressões.

Levantei a cabeça e, num movimento insólito que quase me deu tonteira, cruzei com um olhar.

Renée. Tratava-se de mim. Pela primeira vez alguém se dirigia a mim dizendo meu nome de batismo. Ali onde meus pais recorriam a um gesto ou uma bronca, uma mulher, que agora eu achava que tinha os olhos claros e a boca sorridente, abria caminho para o meu coração e, ao pronunciar meu nome, estabelecia comigo uma proximidade da qual até então eu não fazia idéia. Olhei ao redor do mundo que, subitamente, se enfeitou de cores. Num raio doloroso, percebi a chuva que caía lá fora, as janelas lavadas pela água, o cheiro das roupas molhadas, a estreiteza do corredor, uma tripa onde vibrava os grupos de crianças, a pátina dos porta-casacos de bolotas de cobre onde se amontoavam pelerines de lã ordinária - e a altura dos tetos, na medida do céu para um olhar de criança.

Então, meus tristonhos olhos cravados nos dela, agarrei-me à mulher que acabava de me fazer nascer.

(...)

"E esses olhos tão bonitos", me disse também a professora, e tive a intuição de que ela não mentia, que naquele instante meus olhos brilhavam com toda essa beleza e, refletindo o milagre de meu nascimento, cintilavam como mil fogos.

Comecei a tremer e procurei nos dela a cumplicidade que gera a alegria partilhada."

Aos nossos professores nosso agradecimento por partilharem conosco e com seus alunos muito mais do que alegria.

2 comentários:

Luana disse...

"Viva eu.
Viva tú.
Viva o rabo do tatu!"

Gracinha, cris. Obrigada.

Jussara Machado disse...

Adorei! :)